No ar denso do verão de 1848 no Alabama, quando o pântano cheirava a ferro e decomposição e até as árvores pareciam suar, o coração de Cyrus Blackwood finalmente parou de bater. Ele deixou para trás dois filhos, uma propriedade em ruínas e uma maldição que se alastrava há gerações.

Ciro possuía 200 acres de algodão e 93 pessoas escravizadas. Governava a todos com um silêncio mais aterrador que a fúria. Quando morreu, o mundo não lamentou — respirou aliviado. Para seus filhos, Elias e Juliano, sua morte não representou liberdade. Foi o aperto das correntes que os prendiam desde o nascimento.

Uma Casa de Segredos e Podridão

A Mansão Blackwood se erguia sobre o pântano como um mausoléu adornado com colunas brancas. Era menos um lar do que uma prisão construída com dinheiro antigo e pecados ainda mais antigos. Elias, o filho mais velho, tinha trinta anos — duro, metódico, obcecado por ordem. Ele via as pessoas como seu pai as via: como números em um livro-razão. Julian, três anos mais novo, era o oposto — sensível, atormentado, um artista fracassado que bebia para silenciar os fantasmas que sussurravam nas paredes.

Os dois homens eram polos opostos da crueldade de seu pai — ferro e água — presos juntos dentro da mesma casa decadente.

Quando o advogado de Cyrus, Silas Vain, chegou para ler o testamento, ele trazia consigo o cheiro de terra úmida e algo metálico, como sangue velho. Seu rosto era comprido e pálido, seu sorriso fino demais para ser humano. “Seu pai”, disse ele, desenrolando um pergaminho, “deixou uma condição.”

A cláusula era simples e monstruosa:
ambos os irmãos deveriam compartilhar a mesma esposa. Dentro de 18 meses, ela deveria dar à luz um único herdeiro saudável — ou toda a propriedade Blackwood passaria para Silas Vain.

Não era um testamento. Era uma armadilha.

A Mulher Chamada Morwena

Desesperado e encurralado, Elias escolheu o único tipo de mulher que não podia recusar: uma mulher sem poder, sem voz, sem um nome que a lei reconhecesse. Duas semanas depois, ele e Julian cavalgaram até o mercado de escravos em Mobile.

Ali, em meio ao choro e aos gritos do leiloeiro, eles a encontraram — Lote 47. “Morwena”, disse o leiloeiro preguiçosamente, “uns quarenta, talvez quarenta e cinco anos. Forte. Já passou da idade.”

Ela era alta, com a pele da cor de noz escura e os cabelos com mechas grisalhas. Seus olhos não eram cansados. Eram antigos. Quando Elias a comprou, Julian sentiu um arrepio inexplicável, como se o chão sob seus pés tivesse se movido.

Morwena foi levada para o sótão — um quarto com uma única janela e uma fechadura do lado de fora. Naquela noite, Elias disse a ela o que ela seria. Não uma serva. Uma esposa. Um receptáculo. “Se você se recusar”, disse ele friamente, “o pântano a engolirá.”

Ela apenas acenou com a cabeça uma vez, lenta e deliberadamente.

Foi naquela noite que a casa começou a vibrar.

O Zumbido no Sótão

O que se seguiu desafia a linguagem polida. Elias tratou a violação como um dever desagradável; Julian, consumido pela culpa, chorou à porta dela até que sua consciência se corroeu. Morwena suportou em silêncio. Ela não chorou, não gritou. Ela observou. Ela aprendeu.

Logo, os escravos da casa começaram a cochichar. Uma garota jurou que espiara pelo buraco da fechadura e vira não uma mulher, mas um pássaro preto empoleirado na cama, com os olhos fixos. Disseram que o zumbido no sótão não era humano.

Meses se passaram. Não houve gravidez. Elias ficou furioso, acusando Morwena de bruxaria. Ele quebrou seus potes de ervas, gritando que ela havia amaldiçoado sua linhagem. Ela sangrou, sorriu e disse: “Você não pode forçar a vida onde a morte reina. Esta casa está cheia de morte.”

Julian, consumido pela culpa, finalmente confessou tudo a ela: a crueldade do pai, o esquema do advogado, sua própria fraqueza. Morwena ouviu em silêncio e então sussurrou: “A criança virá. Mas não será dele.”

Ele pensou que ela se referia a Deus.

Ele estava errado.

A Criança de Duas Faces

Dois meses depois, Morwena estava grávida. Era um milagre — ou uma maldição. Sua barriga cresceu, mas seus olhos ficaram fundos. Os funcionários começaram a tratá-la como uma profetisa. Até mesmo as ameaças de Elias vacilavam em sua presença.

Em uma noite tempestuosa de março de 1850, ela entrou em trabalho de parto. A casa tremia com seus gritos e as orações da parteira. Quando o choro do bebê finalmente quebrou o silêncio, Elias irrompeu no quarto, triunfante. Até ver a criança.

O bebê era saudável, mas seu rosto estava dividido ao meio — uma metade escura como a da mãe, a outra pálida como osso descolorido, com uma mecha de cabelo branco acima.

Julian olhou fixamente, sussurrando: “Elias… você já viu esse rosto antes.”
E então ele se lembrou.

Silas Vain, o advogado do pai deles, tinha a mesma marca.

Morwena sorriu apesar do cansaço. “É o sangue Blackwood vindo à tona”, disse ela. “A verdadeira face do seu pai.”

Julian exclamou a verdade em voz alta, com a respiração ofegante: “Vain. A criança tem o rosto de Silas Vain.”

A revelação abalou a casa. O testamento, a maldição, a linhagem — tudo fazia parte de um plano grotesco.

O Advogado do Diabo

Quando Vain chegou na manhã seguinte para “inspecionar o herdeiro”, sua compostura se desfez no instante em que viu a criança. Seu rosto empalideceu como cera; sua mão voou para a mancha escondida de pele pálida em sua têmpora.

“O que é isto?”, sussurrou ele.

“O herdeiro”, disse Julian.

“Não”, respondeu Vain com a voz rouca. “É uma monstruosidade. Está contaminado.”

Morwena levantou-se da cadeira. “Você a chama de impura”, disse ela, “mas ela carrega a sua marca, Silas. A marca que seu pai lhe deu.”

A sala explodiu em alvoroço. Elias acusou Vain de engano; Vain confessou que Cyrus Blackwood o havia vendido quando bebê — seu próprio filho ilegítimo — nascido com a mesma marca. Vain retornara décadas depois sob um nome falso para destruir a família que o abandonara.

Ele mesmo redigiu o testamento amaldiçoado, na esperança de que os irmãos falhassem para que ele pudesse reivindicar a herança como vingança.

Mas o rosto da criança — metade negro, metade branco — era a prova de um mal ainda maior: a linhagem de Ciro já estava envenenada pela própria hipocrisia.

A Vontade Oculta

No instante em que Elias se lançou para matar Morwena, ela falou novamente. “Se você me matar, jamais encontrará o verdadeiro testamento”, advertiu. “Seu pai deixou outro.”

Vain ficou paralisado. Elias exigiu saber onde estava. Morwena disse-lhes: escondido atrás do tijolo solto na lareira da antiga biblioteca.

Julian trouxe a caixa. Dentro, lacrada com cera, estava um segundo testamento — a confissão final de Cyrus. Revelava que Elias não era seu filho biológico. Sua mãe o concebera com outro homem. A grande linhagem “pura” dos Blackwood era uma ilusão.

A propriedade, escreveu Ciro, pertencia a Juliano — o fraco, o sonhador, o único filho legítimo.

O mundo de Elias desmoronou. Toda a sua vida, cada crueldade, cada pecado, tudo tinha sido em vão. Ele sacou o revólver.

“Se eu não for um Blackwood”, disse ele em voz baixa, “então ninguém será.”

O Incêndio em Blackwood Manor

O tiro errou o alvo quando Morwena arremessou a caixa contra ele. O cômodo mergulhou no caos. Elias e Vain, os dois bastardos do mesmo pai, se atiraram um sobre o outro como animais. Julian, guiado pela ordem de Morwena, pegou uma lanterna.

“Queimem tudo”, disse ela. “Queimem tudo.”

O fogo se alastrou como uma vingança tornada visível. Cortinas pegaram fogo, retratos se transformaram em cinzas, e a casa que aprisionara gerações de almas gritava enquanto ardia.

Julian e Morwena fugiram para a chuva, com a criança marcada nos braços dela. Atrás deles, a mansão se transformou em um inferno — uma catedral de punição. De dentro dela veio um último grito, impossível de dizer se era de Elias ou de Vain. Talvez fossem os dois.

Ao amanhecer, Blackwood Manor não passava de chaminés enegrecidas contra um céu carmesim. Noventa e três homens e mulheres escravizados estavam na linha das árvores, observando sua prisão desmoronar. Eles estavam finalmente livres.

O desaparecimento de Morwena

Quando o magistrado chegou dias depois, encontrou Julian sentado na grama, coberto de fuligem e em silêncio. A velha e a criança tinham desaparecido.

“Mulher? Criança?”, repetiu ele, sem expressão. “O fogo consumiu tudo.”

Mas as histórias se espalharam. Alguns diziam que Morwena fugiu para o norte, para Filadélfia, onde o menino de duas faces se tornou um orador brilhante — um homem cuja própria pele contava a história dividida da América. Outros juravam que ela permaneceu no pântano, tornando-se a bruxa que os viajantes temiam por meio século, seu zumbido ainda ecoando entre os ciprestes.

Independentemente da verdade, uma coisa era certa: Morwena nunca foi a vítima que pensavam que ela fosse. Ela foi a arquiteta — a mão que reescreveu a história com fogo.

A Maldição e a Lição

A lenda dos Blackwoods não é uma história de fantasmas. É uma parábola sobre herança — sobre o que acontece quando sangue, poder e orgulho se entrelaçam em uma corda no pescoço. Os irmãos eram escravos da obsessão do pai pela pureza. Morwena, a mulher que ele teria chamado de propriedade, era a única verdadeiramente livre.

Ela compreendeu a verdade: o poder não está no que você possui. Está no que você sabe — e no que você está disposto a destruir.

No fim, o império de Cyrus Blackwood morreu como viveu — em fumaça e silêncio. Mas o zumbido no pântano nunca cessou.

Porque a história, como o rosto daquela criança, é feita de duas cores. E a verdade, por mais profundamente enterrada que esteja, sempre encontra um jeito de voltar à superfície.